A trajetória dos bandolins de Jacob, por Técio Ribeiro e Joel Nascimento.
Por Joel Nascimento
OS BANDOLINS DE JACOB – A RESTAURAÇÃO
Por volta do ano 2000 fui procurado por Joel Nascimento que me questionou, em nome de Elena, filha de Jacob Bittencourt, sobre a possibilidade da execução de trabalho de manutenção nos bandolins utilizados pelo mestre e que estavam sem funcionamento desde o seu falecimento, guardados na casa da filha. Após análise, os bandolins ficaram em minha oficina para uma restauração. O desejo de Elena era que os instrumentos fossem doados ao MIS (Museu da Imagem e do Som, do Rio de Janeiro.
Joel Nascimento acompanhou de perto todo o trabalho, me orientando, sempre emocionado com a preservação da memória do instrumento que o mestre escolheu como companheiro de vida. Alias, tenho que dizer que Joel Nascimento foi o músico que me ensinou muito sobre o instrumento, e o considero co-responsável pelos resultados obtidos em minhas construções de bandolins.
Os bandolins foram muito bem construídos, merecendo destaque o “primeiro – o menor”, o mais bonito e com material mais nobre que o “segundo”. O primeiro bandolim foi feito pelo luthier Vicente, na loja “Bandolim de Ouro”, por volta dos anos 30, no Rio de Janeiro. O segundo foi feito pelo luthier Luso Silva. O segundo é o mais novo instrumento e estava em melhor estado de conservação, tendo sido necessário apenas limpeza e polimento. Já o primeiro, tinha algumas rachaduras no tampo e duas tarraxas com as madrepérolas das peças quebradas. Joel prontamente se propôs a pagar o material gasto na restauração, já que tinha me comprometido a realizar o trabalho sem a cobrança de honorários, em consideração a amizade que sempre tivemos e em nome da memória de Jacob.
Quando finalizei o trabalho, chamei o Joel Nascimento, que teve a honra de encordoar os bandolins depois que Jacob se foi. Foi uma tarde bem emocionante para nós – gravada em vídeo. Não entreguei os instrumentos neste dia, porque ainda precisava de regulagens nas cordas. Nesta época, fiz contato com o Instituto Jacob do Bandolim, sob o comando de Sérgio Prata, que estava também interessado no andamento dos trabalhos. No dia que entreguei os bandolins nas mãos do Joel Nascimento compareceu à minha oficina o Déo Rian. Déo e Joel relembraram músicas do mestre Jacob. Neste dia, além do bandolim, Joel mostrou seus dotes tocando violão acompanhando Déo ao bandolim – tudo documentado em vídeo. Lembro-me de Joel saindo da minha casa com os olhos marejados de emoção, sentindo de verdade a presença física daquele que alavancou o bandolim brasileiro. Pouco depois, tive o prazer de ser apresentado pessoalmente à Elena na festa dos 70 anos de Joel Nascimento. Na ocasião, fechamos um acordo verbal para a manutenção periódica dos instrumentos de seu pai, sempre sob a responsabilidade de Joel Nascimento, que gozava de sua total confiança.
Após algum tempo, o bandolim preferido de Jacob, o nº1, retornou a minha oficina para novo trabalho de restauração. Apresentava deformação importante na boca e no tampo, sugerindo que havia sido exposto a forte calor e umidade. Sempre questionamos o que poderia ter causado o grave empeno – existia uma história de que os bandolins teriam sido emprestados para uma seção de fotografias, o que me fez Imaginar o forte calor dos refletores agindo sobre o instrumento.
Naquela época, também, sua filha Elena mudou-se de residência, podendo ter acontecido tal exposição.
Após minuciosa análise considerei o instrumento impróprio para uso, devido à deformidade sofrida, desta forma, sugeri ao Joel que conversasse com Elena sobre um possível tombamento para preservação do instrumento. Fui questionado por Joel sobre a possibilidade de trocar dois leques e travessas internas do bandolim, contudo, isso o transformaria em outro instrumento e optamos definitivamente, com aval de Elena, pelo tombamento. Redigi então, o termo explicativo justificando a ação e este documento ficou guardado no estojo, junto ao bandolim, pelo menos até o falecimento de Elena, em 2011, desde então, não tive mais contato com os instrumentos.
Tércio Ribeiro Souza – Rio de Janeiro, outubro de 2015
COMPLEMENTO AO DEPOIMENTO DO LUTHIER TÉCIO RIBEIRO
Entendo que o depoimento do luthier Tércio Ribeiro, juntamente com o relatado por mim, leva aos aficionados de Jacob do Bandolim importantes informações sobre os instrumentos que fizeram parte da trajetória do renomado músico.
É sabido que Jacob em 1967 deixou de tocar no bandolim nº 1, que era o de sua preferência, tendo gravado com ele o LP “Vibrações”, que seria o último no referido instrumento.
Elena, sua filha, passados alguns anos da morte do pai, me confiou o encaminhamento para a restauração de seus bandolins que eram classificados como bandolim “nº 1” e “nº 2”. Tal indicação me trouxe uma profunda emoção devido a ser, a meu ver, os instrumentos, que além de fazer parte do seu corpo, eram portadores da sua alma, do coração e da arte do renomado músico.
Levei os instrumentos ao competente luthier Tércio Ribeiro, que dentro da sua sensibilidade, abraçou com grande respeito e carinho, sem cobrar honorários, a restauração dos bandolins. Depois de algum tempo os instrumentos ficaram prontos e após testá-los foram entregues à Elena.
Em 2001, por ocasião da apresentação do espetáculo gravado ao vivo na Sala Cecília Meirelles, intitulado “Jacob e Seus Bandolins”, Elena cedeu os bandolins para alguns solistas tocarem. Eu tive a honra de gravar o choro “Vibrações” no instrumento nº1, o mesmo estava em perfeitas condições como mostra a gravação.
Após algum tempo, o bandolim nº 1 apresentou problemas, sofrendo empeno da caixa acústica, abertura de rachaduras no tampo e deformação acentuada na boca. Novamente levado aos cuidados do luthier Tércio Ribeiro foi feita uma nova restauração. Na ocasião, ele advertiu que o instrumento não poderia ser mais usado devido à fragilidade que se apossou do mesmo, sugerindo o seu tombamento. Elena foi consultada aprovando a medida e o documento redigido por Tércio tombando o bandolim.
Nesta ocasião, Elena me convidou para dar assistência aos instrumentos do pai, e periodicamente, fazia visitas a sua casa e na vistoria tinha o cuidado de não afinar o bandolim nº 1, para não forçá-lo, obedecendo ao tombamento.
É importante relatar que aproximadamente dois meses antes do falecimento de Elena, estive em sua casa para a visita de rotina. Ela, entre outras coisas, manifestou o desejo de doar os bandolins do pai para o MIS, afirmando também, que gostaria de fazer um disco só com os instrumentos do mesmo.
Após o falecimento de Elena, em 2011, os instrumentos foram levados para o Instituto Jacob do Bandolim, assim como todo o acervo de Jacob do Bandolim.
No ano de 2014 o bandolim nº 1 foi doado ao Museu Imagem e do Som do Rio de Janeiro.
Em minha andança pela Europa visitei os instrumentos de Chopin, Beethoven, Mozart, entre outros, todos estavam tombados em respeito à genialidade dos mesmos.
Joel Nascimento – Rio de Janeiro, outubro de 2015