Quando escrevi o livro “Driblando a Censura – De como o cutelo vil incidiu na cultura” (Ed. Gryphus, 2000), referia-me especificamente à minha luta contra a censura das diversões públicas, representante da ABERT e dos autores de música que fui junto ao então chamado Conselho Superior de Censura, um órgão recursal onde nós, da sociedade civil, tentávamos (e quase sempre conseguíamos) derrubar os vetos impostos burramente pelo terrível DCDP – o Departamento
de Censura às Diversões Públicas do Ministério da Justiça.
Agora, tantas décadas depois, os arreganhos do “proibir” estão presentes nas biografias do Brasil. Não à toa, Ruy Castro emitiu frase antológica em que proclama que o perfil ideal de um biografado seria o de “um solteirão estéril, filho único e órfão”. Isso para fugir das absurdas disposições agora encontradas no Código Civil (artigos 21 e 22), que, a pretexto de defender os direitos individuais ao uso de imagem, vão de encontro à Constituição. E o pior: não fazem distinção entre pessoas privadas e públicas – essas, objeto natural de interesse dos autores de biografias. Ou seja, hoje qualquer história de personalidade de repercussão popular pode ser proibida por qualquer um dos citados nos livros, além dos ascendentes, descendentes ou mesmo os próprios biografados. Reconheço que esse é um campo repleto de sutilezas, de dúvidas e de interpretações, sobretudo quando os retratados estão vivos, embora, atenção, atenção, para o detalhe de essência, sejam “personagens públicos”. Apenas para se ter uma idéia, Ruy Castro teve dois processos movidos pelas filhas de seu biografado Garrincha e o livro ficou fora de circulação por onze anos.
Do mesmo modo, estão interditadas pelo momento biografias de Guimarães Rosa, André Midani, Fernando Morais, Roberto Carlos e até do lutador Anderson Silva, pelos motivos os mais díspares, quase sempre interpostos por terceiros citados nos livros e que se acham prejudicados no seu direito de imagem.
Uma luz no fim do túnel: a Comissão de Constituição da Câmara, através do relator Alessandro Molon, pretende até o fim deste mês, definir projeto de lei para alterar o Código e fazer valer, pura e simplesmente, o conceito constitucional. Mais amplo e democrático. E que repõe a censura no seu lugar devido: o lixo.
Ricardo Cravo Albin Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin