As datas precisas são por vezes imprecisas. Esta possibilidade audaciosa pode representar o desabrochar de polêmicas. Quando não de dilemas, que quase sempre provocam dilaceramentos de pensamentos subjetivos. Ou seja, caraminholas diversas nas cabeças dos que têm mais, ou menos, imaginação.
A polêmica que proponho embute um possível dilema. E assesta sua bateria para a data do nascimento do Samba, gênero musical que melhor representa o Brasil.
Donga começou e concluiu a música Pelo Telephone, entre 1915 e 1916, inspirada a ele por cantorias e folguedos afro-brasileiros na casa de uma senhora chamada Tia Ciata, festeira, quituteira e ialorixá (dirigente de candomblé) na antiga Praça XI, reduto de bambas e batuqueiros, quase todos ex-escravos. Ao final de 1916, a peça veio a ser registrada na Biblioteca Nacional, com o indicativo de “samba”, designação nunca antes usada para definir o gênero musical de uma determinada música.
Donga, querido amigo meu desde o comecinho do Museu da Imagem e do Som, quando criei os depoimentos para a posteridade, de que ele foi dos primeiríssimos a depor a meu convite, chegou a dizer que teria sido o seu parceiro Mauro de Almeida, jornalista conhecido como Peru dos Pés Frios, que o estimulara a registrar a peça de ambos na austera Biblioteca Nacional. E isso mesmo antes de ela ser gravada, ao começo de 1917, pelo cantor Bahiano da Casa Edison, destinando-a oficialmente ao carnaval do mesmo ano, realizado semanas depois.
Pois bem, maturada entre 1915 e 1916, seria ela apenas anotada ao finalzinho de 1916 na Biblioteca, procedimento que de pouco lhe valia. Mas seu nascimento formal ocorreu em 1917. Primeiro, foi impressa e gravada. Em seguida, tornada pública pelo lançamento do disco. E, finalmente, de reconhecimento geral, ao ganhar a boca do povo no ainda acanhado carnaval carioca.
Portanto, proponho esta polêmica. Talvez um dilema. Mas uma verdade: o samba pioneiro deve ser datado de 1917, ano em que se fez impresso, gravado e conhecido. Até porque dezenas de composições da MPB, antes e depois de Pelo Telephone, ostentam o ano de batismo apenas ao se tornarem discos. Ou, ao menos, quando suas partituras são impressas e distribuídas. Para consolidar esta data de 1917, a viúva de Donga, Vó Maria (morta aos 103 no ano passado), protagonizou os 90 anos do Pelo Telephone em março de 2007, no Instituto da Urca, festa testemunhada por sambistas relevantes como Luis Carlos da Vila, Martinho da Vila, entre outros.
Portanto, acordem todos! Especialmente as Escolas de Samba e a Prefeitura, que deverão celebrar Donga ano que vem. Menos mal….
Ricardo Cravo Albin
Presidente do
Instituto Cultural Cravo Albin