Aparentemente as três palavras acima pouco convergiriam. O que conectaria Nossa Senhora Aparecida (em seus trezentos anos celebrados há dias) com o samba? E o que ambos poderiam remeter às crianças? Que amálgama alimentaria esta impensável química?
Saibam que a magia da carioquice -e só mesmo o Rio faria acontecer este quase milagre – pode unir as três vertentes. O feriado para a celebração da Negra Virgem foi iluminado, não bastasse o dia esplendoroso da quinta-feira, por dois eventos nunca dantes visto por aqui.
O primeiro aconteceu às seis da tarde da quarta feira no alto do Corcovado, como que trombeteando o segundo.
Treze Escolas de Samba Mirins, com suas porta-bandeiras exibindo os garbosos pavilhões, entoaram um inédito Samba-Enredo para a Padroeira (de Jorge Simas e Paulo César Feital), belamente puxado por Didu Nogueira. Cinquenta crianças das treze comunidades acompanhavam, cantavam, alegravam-se na solidariedade.
Mas não só. A Sinfônica Juvenil da Maré antecedeu o ato litúrgico com a Ave Maria no Morro (de Herivelto Martins), logo depois da execução do Hino Nacional. Violinos, cordas e celos lado a lado de cuícas e tamborins.
Devo dizer-lhes que naquele momento dezenas de turistas e todos que lá estávamos ficamos paralisados pela emoção e pela beleza, muitos às lágrimas.
Nada tão eloquente para anunciar o que ocorreria doze horas depois na Avenida Atlântica. Acreditem, 500 crianças e adolescentes carentes em desfile, com carro de som, bateria, baianas, passistas.
Nunca vi, nem pensava ver, tamanho grito de originalidade e celebração para a Elevação, a Fé, a Alegria, a Solidariedade. Cada Escola de Samba Mirim trazendo como Abre-Ala a imagem triangular da Negra Virgem do Brasil. Alguém até poderá pensar – “mas misturar o sagrado com o profano, isso parece uma inconsequência ou um atrevimento…”. Qual nada, muito ao contrário.
Os requebros e as vozes das crianças, a música e a dança ancestrais, provocavam clarões de beleza e força contagiantes. O sopro de fé e de vida se impunha.
Não sem razão, lá estava, pulsante em energia e simplicidade, o comandante da magia do espetáculo e da religiosidade, o Padre Omar Raposo, também homem de ação, também cantor, também Reitor do Monumento Nacional do Redentor. Uma magnífica figura, esta, que tudo armou na Arquidiocese, com sustentação moral do cardeal Dom Orani, outro obreiro das coisas que atingem o coração.
Mas, e a ideia, quem imaginou provocar tamanha audácia, tamanho sonho? Nasceu da cabeça criativa do Embaixador Jerônimo Moscardo, outro inestimável brasileiro sempre voltado aos entrelaços da cultura e da cidadania. Ele agregou cariocas notáveis, reuniu todos inúmeras vezes ao lado do padre Omar. E nasceu a luz. E o fato concreto se fez realidade. A magia e a fé resplandeceram.
Ricardo Cravo Albin
Presidente do
Instituto Cultural Cravo Albin