“O maior erro que um homem pode cometer é sacrificar a sua saúde a qualquer outra vantagem.” — Arthur Schopenhauer.
Entra semana, sai semana, a peste bate macabros recordes. A fórmula parece infalível: basta diminuir o distanciamento e a falta de coordenação federal.
Dezenas de pesquisas de opinião sobre a pandemia já foram feitas. Chamo a atenção para a última, do grupo Diários América (o GDA), uma aliança de grande credibilidade pública de 11 jornais relevantes da América Latina. Essa pesquisa vem a confirmar como os consumidores digitais foram afetados pela quarentena, o que há mais de quatro meses eu suspeitava e vinha escrevendo neste espaço.
Alguns dados: duas são as principais preocupações geradas pela peste universal na América Latina, entre mais de oito outras (funcionamento do sistema de saúde, informações precisas etc., etc.) e que são: o contágio que não cessa e o impacto na economia. Os efeitos psicológicos tomam prioridade enquanto avança o confinamento (cumprido por média inesperada de 76%), enquanto que a duração da crise, com o sobe e desce incessante de mortes a cada semana, situadas em patamar muito alto, é o que mais preocupa o brasileiro (75%). Também o Brasil é apontado como o país com maior ansiedade (77%), bem como com mais melancolia (35%), a confirmar a nunca escondida solaridade do brasileiro.
À medida que a crise se estende e não tem sequer data aproximada de cessar (acertadíssimos, de resto, os cancelamentos do réveillon e do carnaval), a enquete mostra uma queda de 16 pontos na avaliação dos governos nacionais, sobre a gestão deles ante a crise. Observem que só 21% dos internautas o classificam como “bom”, enquanto 55% dizem que é “ruim”. E aí vem um dado que considero relevante: os cidadãos deixaram claro que confiam mais nos especialistas e na ciência do que nos políticos.
Isso, como venho insistindo aqui, vai transformar a maneira de fazer política e de governar. Os efeitos políticos no Brasil tendem ao imediatismo ante as eleições próximas do final do ano. O que, aliás, se esboçou com clareza logo ao começo da pandemia, em relação aos governadores e prefeitos que se manifestaram de imediato a favor dos lockdowns e confinamentos de cidades (69%), enquanto os que negavam medidas de alta ou média (e até pequena cautela) despencaram nas pesquisas. Vocês estarão lembrados de que houve uma corrida de políticos mais sensíveis a endossar fechamentos cautelares, tanto individuais, quanto os de cidades. O Presidente da República jamais apoiou qualquer lockdown por conta da crise econômica, que já se esboçava em dramática situação.
Nunca é demais acentuar a proximidade visceral de Bolsonaro com Trump, em todos os pontos. Da insistência na cloroquina como abortiva do vírus até a priorização de um dos braços da dicotomia que logo se impôs, economia versus vidas humanas. A primeira, pela abertura de cidades, foi a defendida inúmeras vezes por ambos os presidentes, o que, como todos os analistas deduziram, fizeram baixar a popularidade dos políticos. Em especial a de Trump, que hoje estaria perdendo de Biden por margem considerável.
Fenômeno, de mais a mais, que parece ter acordado do seu sono macunaímico o exótico chanceler de nosso país, que foi obrigado a promover (ainda bem) aproximação com os democratas em Washington, não fossem os Estados Unidos nosso maior parceiro comercial. Enfatizaria o apenas comercial, pois Trump não esboçou um dedo sequer em retribuição às bondades do amigo Bolsonaro. Considero diplomaticamente deprimente o veto de entrada de brasileiros nos E.U.A apenas pelo alto número de infectados por aqui, tantos quantos os que contraíram o vírus e vieram a óbito nos Estados Unidos.
E o instituto da reciprocidade, onde foi parar?
Essa bandeira de defesa do nacionalismo e do Brasil sempre me empolgou desde os bancos universitários, como mobilizou mais de três gerações de brasileiros, incluindo a nata dos oficiais superiores do nosso exército, a partir dos lençóis petrolíferos do país, que determinaram a força futura da Petrobrás.
Outra promessa de Trump ao Brasil não cumprida seria a doação de grande número de testes para aferir a infecção por aqui, passo decisivo para debelar a pandemia, segundo todos os especialistas, necessidade aliás, prometida e não cumprida pelo descoordenado Ministério da Saúde.
Apenas para refletir sobre a gestão da saúde no Brasil cabe evocar a frase da cientista Madame Curie, pensamento antecipatório de nossas desditas – “a ciência serve para nos dar ideia de quão extensa á a nossa ignorância”.
Ricardo Cravo Albin