Este artigo era para prestar tributo a dois escritores amigos que o coronavírus acaba de nos tirar, entre as milhares de vítimas que infelicitam o Brasil de hoje – o romancista Sergio Santanna e a poeta Olga Savary. Desisti, contudo, pela velocidade perturbadora das notícias de mortes de mais e mais artistas queridos a cada dia.
Quero crer que a tragédia da multiplicação de vítimas que parece dobrar a cada semana se deve, em boa parte, às confusões do governo, como acusam todos os jornais e seus principais colunistas, que aferem as intermináveis confusões do poder central bem como a opinião da maioria do país.
De fato, vamos e convenhamos, o número de confusões e contraditórios que Bolsonaro acumula é assustador.
Para não perder o fio da meada, enumero:
- Dois ministros da saúde em apenas um mês, no pique da pandemia, não pode ser normal. É confusão ou erro? O filósofo Francis Bacon asseverava que a verdade surge mais facilmente do erro que da confusão. Neste caso, erro e confusão se intercambiam e se potencializam.
- A insistência de o Presidente pedir com todas as letras, o fim do confinamento e dos lockdowns, contradizendo a voz geral e a OMS – que fizeram até Trump abandonar a tese de preferir salvar preferencialmente a economia que vidas, faz o presidente brasileiro por a carapuça dentro da frase famosa de Clarice Lispector – “Sou tão misteriosa, que não me entendo.”
- De fato, mistério não inteligível é o Presidente querer obsessivamente a aplicação de um remédio duvidoso ainda não aprovado e potencialmente até responsável por ataques cardíacos. Esse de fato é mistério, que se desvela aos poucos com notícias de que ele teria encomendado a laboratórios, creio que do nosso Exército, número cavalar de cloroquina. Curioso: ao que se pode deduzir, dois contraditórios, como Trump e Nicolas Maduro, opinarem também (??) a favor do tal medicamento.
- Misteriosíssimo também é o decreto presidencial que libera a abertura de salões de beleza e academias de ginástica como necessidades prioritárias. Confusão logo derrubada pelo STF, porque é área de gestão exclusiva dos governadores e prefeitos, não do Governo Federal.
- Ainda bem. O que alimenta outra confusão que o país não pode entender, a dissensão com os demais poderes do executivo, que exercem o direito constitucional de agir nas áreas de sua competência.
- Aliás, os tiros da confusão presidencial são disparados para todos os lados, atingindo gravemente o bom relacionamento (obrigatório, em especial ante a tragédia sem paralelos em que o país se encontra) dos três poderes.
- De mais a mais, as confusões ainda são projetadas no colo da opinião pública e dos próprios eleitores dele, ao fazer acordo para a volta da imoralidade do centrão fisiológico, investigados, uns sim, outros também, pelo fiador da moralidade pública no governo, o demitido juiz Sergio Moro, cujo feito antológico na Lava Jato ainda ressoa na alma do Brasil: o único a prender um ex-presidente famoso – Lula – e o maior dos líderes empresariais, Marcelo Odebrecht. O que me traz à mente frase de Fellini em sua biografia – “essa história de confusão mental é típica dos que pensam contra o progresso, que asseguram ter ideias claras sobre tudo, sem precisar duvidar de nada.”
Anotei mais de 10 outros itens da surpreendente confusão que o Capitão impôs ao país.
- Aliás, a saída de Moro provocou uma acusação gravíssima, o interesse presidencial em interferir em órgão de estado (que Bolsonaro confunde com órgão de governo), a Polícia Federal. Isso poderá ser o estopim para seu afastamento do Governo, por quebra de vários artigos da Lei 1079 de 1950, que ele vem violentando um a um. Com assiduidade e sem cerimônia. Será provocação contra a democracia, arguem muitos cronistas políticos de alta estirpe como Merval, Miriam, Mello Franco, Jânio ou Elio? Ou seja, quererá ele se ensaiar para ser um novo Hugo Chaves por essas bandas e impor ao país um caudilho, ele próprio?
Mas o espaço acabou. Não sem antes citar um dos grandes pensadores da humanidade, o chinês Confúcio, que assevera que o maior prazer de um homem inteligente é bancar o idiota diante do idiota que quer bancar o inteligente. Sequer estou a insinuar que esses personagens possam ser o Chefe da Nação e o povo brasileiro, incluídos seus eleitores, arrependidos ou não. Insinuo, contudo, ao citar um dos maiores filósofos da velha China, que o desastroso desprezo contra os chineses, fartamente demonstrado por Bolsonaro e filhos, é mais uma, e inoportuna, confusão. A China, como principal parceira comercial do Brasil, tem que ser tratada a pão-de-ló. A escritora Dorothy Parker teve toda razão quando afiançou que “não são as tragédias que nos matam. São as confusões em que nos metemos.”