Uma das mais belas tradições da Academia Brasileira de Letras é a sessão que reverencia o acadêmico morto. “Saudade” é o nome dessa missa de sétimo dia em forma de celebração literária. O réquiem para Zélia Amado na ABL, há dias, foi particularmente emocionante. Pelo simples fato de que Zélia foi uma vida nutrida pela emoção. Emoção transfigurada na fidelidade comovedora a Jorge Amado. Para o homem, para o escritor, para o ser humano fraterno como Jorge, Zélia Gattai terá sido daquelas mulheres que roçam a plenitude. Eu não sei de nenhum outro casal que conheci (ao longo da vida já tão espichada) com tamanha capacidade de integração quanto os dois.
Acode-me agora mesmo, ainda movido pelo fluir do sentimento de perda da Zélia, uma frase de Eneida (a cronista era amiga queridíssima minha e de Jorge) durante um jantar que compartilhamos ao final dos anos 60 no apartamento do casal na Rodolfo Dantas: “O Zélia, se você morresse agora, seria de nós três a perda mais irreparável. Porque Jorge morreria em seguida, e eu também, de desgosto, porque ia querer consolá-lo a qualquer custo sem qualquer chance. Portanto, de nós três, você deve ficar bem vivinha, viu?” Zélia não só assistiu Jorge até seus últimos dias. Preservou-lhe, ademais, a memória (ao lado de Paloma e João Jorge) como se vivo ele permanecesse.
E ainda encontrou tempo para nos tonificar – a todos – ao esgrimir a pena fértil e qualificada de escritora. Uma memorialista como há muito não se via na literatura brasileira. Zélia, agora grávida de eternidade, será sempre evocada.
Ricardo Cravo Albin
Escritor e Jornalista
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