Confesso que jamais vi crise tão alargada de incerteza como a que nos assola nestas eleições.
De fato, nunca vivi a sensação de que uma onda de votos nulos estaria por desabar nas urnas. Muitos, especialmente os intelectuais, andam alegando a descrença no ato de ir votar. Mas o que é isso, Deus do céu? Claro que voto é secreto, e não declaro o meu. Mas há que votar. E nunca nulo, muito menos em branco.
Quero exclamar, já asfixiado pela persistência das parolagens dos pessimistas de plantão, que basta! Basta de tiros do recalcitrante pelotão de fuzilamento contra o país. E vou de pronto avisando que não sou um otimista em frêmitos de gozos. Como certas caricaturas de escritores do passado, ou como os sambas de exaltação do meu brasil-brasileiro dos anos 1940-1950.
Não, nada disso. E quem me conhece sabe de minhas ásperas indignações. Tom Jobim cunhou frase amarga: “A melhor saída para o Brasil é mesmo o aeroporto”. Por outro lado, Nelson Rodrigues disparou que “temos complexo de cachorro” ou que “o Brasil não é popular no Brasil.”
Cientistas sociais do porte de Euclides da Cunha, Joaquim Nabuco, Sérgio Buarque de Hollanda ou Gilberto Freyre, os chamados inventores do Brasil, forneceram uma identidade ao país a partir da miscigenação, e da apetência para a paz, tanto interna quanto externa. Aliás, o sociólogo italiano boa gente Domenico de Masi nos fez um afago ao refletir sobre a crise atual. Disse que o Brasil é o país do futuro, e o futuro chegou (este exatamente o nome do seu novo livro, mais um mimo pró-Brasil). Ele ainda agrega uma controvérsia (com ressabiado fundo de verdade), ao proclamar que os pessimistas, assim como em qualquer país do mundo, são os intelectuais. Uma paráfrase – agora me dou conta – do quase sociólogo Joãozinho Trinta, quando bradou do Sambódromo a frase-ícone: “Quem gosta de miséria é intelectual; pobre gosta mesmo de luxo”.
A crise de descrença não pode arrastar os fundamentos de um país rico e fraterno. Infelizmente, também, de um país cujas elites deixam – e muito – a desejar, em especial seu corpus político. As escaramuças da eventual crise de desânimo de boa parte dos intelectuais de hoje se agudizaram desde 2013, como uma reação neoliberal, sustentada graças aos erros repetidos pelo governo e pela corrupção, até então inimagináveis. Isso deixou parte do país se sentindo pobre, lesado, sem futuro.
Mesmo mal humorados, não há porque aticemos o fogo do incêndio. O que pode cremar fundamentos como democracia, autoestima, esperança. Cuja essência é o votar.
Acode-me aqui uma brevíssima reflexão cultural: será melhor o sorriso da Mona Lisa do italiano Da Vinci (que é o voto), do que ‘O Grito’, tela apavorante do norueguês Munch (que é o abster-se de votar).
Ricardo Cravo Albin é presidente do Instituto Cultural Cravo Albin