Quando há sete meses ajudei a convidar as primeiras pessoas para uma palestra sobre filosofia nas areias da praia de Copacabana, ouvi comentários os mais bizarros, desde “que loucura é esta?” à exclamações atrevidas como “vou, mas me faça o favor de promover ao final um desfile de moçoilas em flor, mas de biquíni bem cavadinho, viu?”.
O fato é que os incrédulos acabaram por ir às areias da Avenida Atlântica, no Leme. E acreditaram. Aos sábados, antes do meio dia, o projeto “Filosofia na Praia” começou a fazer história. Dá gosto ver personalidades da vida cultural da cidade sentadas em cadeiras de praia, envergando bermudas e chapelões descontraídos. Intelectuais refinados ao lado de simples moradores, de passantes do calçadão, até de jovens dos morros vizinhos. Esta golfadas de audácia cultural cresce a cada quinzena. A ponto de o penúltimo, sobre o escritor russo Dostoiévski, e o deste ultimo sábado sobre o filósofo contemporâneo José Guilherme Merquior, terem atraído mais de 60 pessoas, postadas em semicírculos silenciosos e reverentes.
Um espanto. Até por ter sido a única noticia cultural do Brasil no New York Times. O jornalão fez há dois meses um ferino contraponto entre o tiroteio de traficantes no chapéu Mangueira e a placidez de palestra sobre filosofia 400 metros adiante. Em plena areia de Copacabana.
Claro que atrás de tamanha audácia está um pequeno núcleo de pessoas que cultivam a originalidade e a fé. Este núcleo de benfeitores, sim, benfeitores, é liderado pelo Embaixador Jerônimo Moscardo, que foi Ministro da Cultura de Itamar Franco. O irrequieto embaixador leva até às areias amplificador de som e microfones. Além de bater o martelo, ao lado do reitor do projeto, e com cuidados que beiram a sacralidade, para os já disputados encontros futuros. A imaginação do Jerônimo é fervilhante. Ele trata agora de prover diplomas aos frequentadores, viabilizados pelo escritor Deonísio da Silva na Universidade Estácio de Sá. E, pasmem, vai levar esta ideia de injetar cultura aos detentos do sistema penitenciário. Para isso, um parceiro certo foi encontrado, o Desembargador Siro Darlan, outro benemérito a cuidar de iniciativas atrás das grades. Que contemplam uma possível melhoria para combater a inutilidade de viver sem nada aprender, ou fazer.
Quero evocar aqui que a Filosofia foca em questões sobre a existência humana. Lembro que na Idade Antiga e Medieval a Filosofia se limitava a fenômenos mais específicos, como a classificação dos seres vivos e até a cosmologia.
Hoje, a Filosofia propõe reflexões para a vida toda. Tal como sua essência final, a busca pela verdade. Ora, ora, no vazio de ideias em que chafurdamos, na mediocridade dos políticos que nos infestam, a Filosofia pode servir de algum consolo.
Ricardo Cravo Albin
Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin
Rio de Janeiro, 14 de setembro de 2018.