Estive participando em São Paulo de debate acadêmico sobre a economia de eventos culturais no Rio. Especificamente aquele provocado pelo monumental desfile das Escolas de Samba, transmitido ao longo de duas noites para o mundo via televisão. Do debate participaram cinco professores-doutores em Comunicação e sociologia da USP. Sim, da USP paulistana, e não da UFRJ carioca. O que realça o significado cultural e certamente comportamental que ostentam as escolas do Rio, berço de centenas de outras espelhadas pelo Brasil e, pasmem, pelo mundo. O debate para o qual fui convidado ocorreu por sugestão de conferência anterior feita pelo sociólogo Michel Maffesoli, que lá destilou severas observações acerca do desdém da academia (até há poucos anos) sobre a fundamentabilidade das Escolas de Samba, fenômeno de organização popular, segundo ele. Que a definiu como “uma parada de quase doze horas de duração, única no mundo, por agregar e convergir 30 mil desfilantes, com unidade arrebatadora, clareza social e absorção de classes e raças”. A teoria sagaz do francês foi dissecada pela dissertação de nós seis, frente a um auditório de mais de duzentos universitários. A culminância do debate tomaria rumo inesperado quando veio à baila a controversa (e bota controversa nisso) economia do Prefeito Crivella em cima das dotações municipais para as Escolas. Os professores me crivaram de perguntas sobre os porquês de tal “falta de visão do Prefeito do Rio”. Entre rubro e envergonhado, somei-me a eles, dizendo-lhes lamentar a atitude do Alcaide, provocada talvez pela falta de apetência pela grandiosidade profana da obra de arte que ela ressignifica. Vocês devem imaginar a estupefação de todos, em se tratando de um político eleito para administrar uma cidade como o Rio, e não (como um professor logo ironizou) situada na Suíça.
A aula-magna sobre usos e costumes culturais do povo carioca deveria durar apenas hora e meia, mas se espicharia por mais uma. Ali, analisamos dados de essência, dentro da tese judiciosa de Maffesoli. Como a originalidade do chamado “milagre” plurissocial das Escolas de Samba. Tais como a arrebatadora conjugação de arte à serviço da paz social. Ou ainda a surpreendente disciplina carioca, ao se devotar ao prazer e ao belo em desfile rígido, quase marcial. Ponderou-se, finalmente, sobre a obrigação de uma Prefeitura responsável em investir mais nas agremiações titulares do fenômeno carioca. E nunca menos. O que seria patético.
O debate enveredou prioritariamente pelas profundezas do sociológico, “uma contribuição solar do Rio para um mundo lunar e em desarmonia”.
A estratégia econômica do evento foi analisada quase epidermicamente. Pena, disseram todos, porque quanto mais bem aquinhoadas as Escolas, mais reverterão ao Rio benefícios em dinheiro, em turistas, em prestígio.
A recomendação final: Crivella deve aumentar sua visão sobre este fenômeno. Ampliá-lo. E nunca minimizá-lo.
Ricardo Cravo Albin
Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin