Um dos fazeres mais prazerosos da minha vida foi a convivência, ainda na juventude, com os cegos do Instituto Benjamin Constant. Naqueles anos incendiados da Faculdade Nacional de Direito (os 60), fui encarregado pelo CACO (nosso Centro Acadêmico) de participar, em júri simulado, como advogado de acusação de um cidadão que cometera o bárbaro assassinato de um cego. Para preparar meu libelo, atire-me com unção a conhecer os mecanismos psicológicos que mobilizam os que não vêem. Fiquei abismado com o desconhecimento que tinha deles, a cada passo em que me aprofundava na pesquisa. E isso na mesma proporção em que crescia dentro de mim um misto de afeto e consideração, aliado ao crescente e quase avassalador sentimento de revelação. Que, aos poucos, fui atribuindo a meu conhecimento precaríssimo da vida e das grandezas humanas.
Pois bem, no libelo acusatório fui tomado por paixão e fúria, até excessivas, ao defender o cego, a vítima, para tentar punir o criminoso com pena máxima.
Na tribuna simulada, fizeram-me valer os valores e o heroísmo dos cegos, vítimas de preconceito e desdém, sempre cruéis.
Acode-me toda esta longínqua experiência pessoal de amor aos deficientes para louvar a Paralimpíada que está por irromper. Aliás, a castração da letra “o” na palavra “paraolimpíada” sempre me pareceu antipática. E por bastante tempo me recusei a empregá-la. Mas o que se há de fazer contra a força irresistível da imposição…? É engolir a seco, e ser obrigado a se adaptar. O que, de resto, não é o caso dos atletas de agora, estes, sim, os insubordinados à tirania da exclusão, os resistentes aos preconceitos e a superioridade dos supostos atletas “sadios”.
Considero os jogos com deficientes muito mais interessantes, por um motivo franciscano em simplicidade. Eles são os atletas que melhor esgrimem o sentido exato de superação.
O espetáculo de afirmação exibido pelos deficientes exalta a culminância do ser humano. São, a meu ver, os heróis atenieneses do Olimpo, muitíssimo mais sedutores e necessários que os atletas de corpos sãos e de vaidades apenas orgânicas.
Portanto, não apenas sugiro, mas peço, e com fervor, que os leitores lotem os estádios, prestigiem os cegos, os cadeirantes, os amputados. Porque são eles todos uma saudável legião de apenas deficientes nos corpos. Mas livres e grandiosos ao demonstrarem o quanto, nós, os seres humanos que habitamos este planeta injusto, somos capazes. Que é honrar o Divino, a chama da tocha eterna e atemporal que pode nos acolher e redimir.
Ricardo Cravo Albin
Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin