Não, não quero empregar a palavra aí acima, necessidades, como aquela de que o país cada vez mais carece, as chamadas necessidades básicas, como saúde, educação, segurança, emprego e, é claro, a moralidade dos costumes políticos nestes tempos sombrios. Tempos que ostentam e revelam um mar de corrupção (que parece não ter fim) em quase todos os desvãos dos órgãos públicos federais. Não, não são estas as necessidades a que eu quero me referir aqui, embora devesse, como qualquer cidadão minimamente decente tem obrigação de proclamar.
Trago-lhes um assunto mais ameno, já abordado por mim com alguma (e necessária) insistência. Lembram-se de como sempre reclamei da falta de criatividade, de invenções estratégicas para, se não atraírem, ao menos manterem os alunos dos cursos fundamental e de segundo grau nas escolas, especialmente as públicas?
O nosso ensino anda mal das pernas, razão do fenômeno crudelíssimo que nos aflige a todos, a evasão das escolas, sobretudo nas áreas mais carentes.
Conversando há tempos com o sociólogo Domenico de Masi, um defensor intransigente da sociedade brasileira, ele me disse que o abandono de salas de aulas era a pior tragédia do Brasil. E irreparável, quando em áreas mais pobres. Cristalina e óbvia observação.
Falei a ele de um projeto que acalento há anos, a possibilidade de música nas escolas, especialmente a música popular, tão cheia de invenções, de sedução, de afirmação da alma miscigênica que nos redime como nação.
O sábio italiano acendeu os olhos, projetando lampejos de faíscas de pronta aprovação e de entusiasmo.
A história multissecular da formação da nacionalidade está delineada, à perfeição, dentro da evolução de nossa música, especialmente radiosa na descontração da alegria e da mistura crucial do branco, índio e negro. Este contexto revelador foi testado nestes últimos meses na Escola Sesc de Ensino Médio de Jacarepaguá, o mais audacioso e avançado modelo de experiência educacional no Brasil.
Tive a felicidade de testemunhar na Escola Modelo o aproveitamento, para mim tão comovedor (a ponto de me levar às lágrimas), da importância do entrecruzar a criação dos ritmos provocadores deste país musical com as vidas sofridas, mas fundamentais, de gente canônica como Pixinguinha, ou Nazareth (consolidadores do choro), ou Donga (criador do primeiro Samba, há exatos cem anos), aos que lhes sucederam como Noel, Ary Barroso, Caymmi. Desaguando nos contemporâneos, que constroem hoje (e sempre) a quintessência da consolidação da alma miscigênica que nos abriga a todos.
8 de julho de 2016
Ricardo Cravo Albin
Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin