O quixotismo e o impeachment
Nestes tempos sombrios por que estamos passando, o maior personagem da literatura universal (ao menos a meu modesto juízo), Dom Quixote de La Mancha, está sendo agora celebrado em qualquer país civilizado do planeta…
A morte de seu criador, o grandíssimos escritor espanhol Miguel de Cervantes, cumpre 400 anos. O Rio lhe rende homenagem, com a encenação da ópera Dom Quixote, do francês Jules Massenet, a que assisti no Theatro Municipal neste mesmo fim de semana conturbado, quando o “impedimento” (tão melhor optar pelo substantivo em português…) foi votado em Brasília.
Não pense o caro leitor que vou escrever aqui sobre o que achei da decisão da Câmara.
Não, meu intuito é extra-partidário e ausente de opinião pessoal. Até para robustecer o paralelo que trago sobre comportamentos. Comportamentos, é claro, dos políticos.
O Cavaleiro Errante, para quem não sabe, o fidalgo seiscentista Quixote de La Mancha, esgrimiu, ao lado do inseparável companheiro Sancho Pança e de sua alongada espada medieval, a solidão, os silêncios e as belas reflexões sobre a vida, ou seja, o comportamento mais nobre a que pode atingir o ser humano. A dignidade de suas paixões, de suas ações, de suas delicadezas, exaltam a culminância de procedimento. Ele luta contra moinhos de vento, ele celebra a poesia no prazer de ser útil, ele castra a libertinagem do mal agir, da indecência comportamental. Aí justamente é onde quero chegar. A grandeza do Cavaleiro, também um “cavalheiro” natural e necessário, é exatamente o oposto da maioria dos deputados que ontem adentraram nossas casas pela tevê. Cenas de grosseria explícita, de péssima educação, de gritos e até grunhidos simiescos, de falta de compostura enfim, foram usuais. Quixote era um errante, um sonhador, e nada devia ao povo. Os deputados devem sim, e muito, ao menos na idealização com que a cidadania gostaria de vê-los. Eles deveriam nos nutrir de sabedoria, retidão, verdades. Exemplos róseos e não negros enfim.
Onde ficam um tostaozinho de bom comportamento, uma réstia de dignidade, uma possibilidade, mesmo econômica e esquálida, de honradez pessoal?
Proponho, portanto, que o espírito imortal do Cavaleiro de Cervantes, agora em celebração mundial, possa jogar não um clarão, que seria pedir demais, mas ao menos uma luzezinha de vela, que seja, para tentar iluminar os procedimentos dos nossos políticos. Talvez a crise acabrunhante por que passamos, nestes tempos grávidos de diatribes e mentiras, pudesse ser um tanto mais amavelmente arrefecida. Valha-nos Deus!
Ricardo Cravo Albin
Presidente do Instituto
Cultural Cravo Albin