A palavra AUÊ, uma quase interjeição de sonoridade exótica, significa confusão, algazarra, mixórdia.
Não posso deixar de aplicá-la ao estado de penúria que o Estado brasileiro atingiu. Minha intenção neste artigo era destilar o exato sentido de confusão para verter lágrimas pelo país, tal o estado de auê a que chegamos na economia, com todas suas decorrências assustadoras.
Mas fui assistir a um espetáculo musical (no SESC-Copacabana) chamado exatamente AUÊ. E a partir daí, apraz-me louvar a palavra. Passo a empregá-la com a satisfação e a largueza dos sentimentos de beleza, de brasilidade, de esperança, de um novo e surpreendente despertar de consciência estética para exibir a música de hoje.
Não costumo comentar nesta página espetáculos, muito menos a música popular, renitente paixão minha, por décadas.
O AUÊ é um elenco de rapazes que tocam instrumentos diversos, alguns ligados diretamente ao Brasil (tambor de congado, sanfona, entre outros). Eles entram em cena para cantar a paixão e a liberdade, celebrando a cultura musical do país e acarinhando o regionalismo tão fecundo, por vezes tão envergonhado. Pois eles fazem disso uma celebração eletrizante e sem paralelos. Os sete cantores-instrumentistas se transfiguram em atores, em dançarinos, em palhaços, em acrobatas. A energia de cada cena, a elasticidade dos corpos, a precisão de cada movimento, vão tomando a platéia em um crescendo arrebatador.
São sete cantores e músicos. Que seriam convencionais, mas que se travestem em personas originais e surpreendentes. O intenso trabalho para a preparação corporal daqueles que eram apenas instrumentistas há de ser tributado à diretora Duda Maia, que não conheço e a quem reverencio. Entre nomes que desconhecia, vejo alguns luminares de minha estima como Moyses Marques (não em cena) e Alfredo Del Penho (que atua, e também é autor dos arranjos). O milagre da comunhão entre eles, soube agora, se origina da Companhia Barra dos Corações Partidos, a mesma que exibiu os aclamados musicais “Gonzagão – A Lenda” e “Opera dos Malandros”.
Creio nunca ter assistido antes a uma armação cênica em que os instrumentos se grudam aos corpos dos músicos, e estes se transformam em uma só unidade, projetando uma raríssima movimentação no palco. O nome auê, que significa algazarra ou fuzarca, purifica-se e muda radicalmente de sentido neste show eloqüente, em que se perfila um rigor absoluto em tudo. Portanto, nada a ver com o auê nacional, sinônimo adequado para os dias assustadores que vivemos hoje.
Rio de Janeiro, 22 de janeiro de 2016
Ricardo Cravo Albin
Presidente do Instituto
Cultural Cravo Albin