Mudanças na Academia e no Brasil são sentidas, em todos os níveis, com preocupação, com desânimo quase sempre. E poucas vezes como afagos de esperança, de melhorias, de crenças positivas. Não nego que a faixa etária de cada pessoa pesa, e muito, ao avaliar uma mudança como benéfica ou não. Minha mãe, por exemplo, quando mudou de casa, ao sair da sua toca de décadas, murchou como girassol. E morreu logo depois. Por isso, diz-se que gente velha não quer novidades, muito menos locomoções de hábitos enraizados.
O mar tempestuoso em que o país mergulha agora proclama possibilidades de mudanças. Claro que as águas estão infectadas de tubarões famélicos, até de baleias orcas assassinas, envolvidos todos por algas que escurecem. E contaminam o habitat político já avariado. Sem ousar destilar comentários sobre a pegajosa situação do Brasil de hoje, quero fazer aqui uma contraface do que entendo por mudança de governo. Plácidos mas vigorosos exemplos podem testemunhar paz, continuidade, bem-querença. Na próxima quinta-feira nosso orgulho cultural, a Academia Brasileira de Letras, muda de diretoria, de mãos. Mas a continuidade dos acertos de gestão e da amabilidade continuam intocáveis.
O escritor carioca Domício Proença Filho lidera agora a ABL, aquinhoada na Secretaria Geral por Nelida Piñon, também um talento sufragado pela aclamação geral.
O novo Presidente forjou-se professor e escritor (também poeta, e até cantor em horas vagas) nos bancos de excelência do Colégio Pedro II, Internato, o velho casarão amarelo de São Cristóvão.
Domício, certa vez, mimoseou um amigo com versos que poderiam agora ser dirigidos a ele mesmo. E o faço:
“Era por aqueles tempos, / belos tempos celebrados / do amarelo casarão do Campo de São Cristóvão, / Pedro II, o internato, / semeadura de saberes, / de rara cidadania, / de vida e democracia. / Ali se armou cavaleiro, / um certo jovem Domício. / Com a lança do verbo / acesa e o escudo / do entusiasmo, /comandou feras batalhas / de arte, letra e Cultura.”
A ABL muda. Mas os mares dela continuam limpos e serenos. Ao contrário do Brasil com seus tubarões, molduram a Academia espécimes de peixes coloridos. E muito desejados por todos.
Ricardo Cravo Albin
Presidente do
Instituto Cultural Cravo Albin