Devo de imediato explicar o título aparentemente estranho que encima o artigo de agora. Trata-se de Dona Zoé Chagas Freitas e de Jurandyr Passos Noronha, ambos provocando as saudades deste escriba, até porque morreram na última semana. Ambos se findaram quase aos cem anos. Ambos realizaram trabalhos meritórios e vivazes a favor do Rio. Ambos foram decentes e bons. Ambos eram encantadores, tanto no convívio amável quanto no falar manso, quase doce, mas convincente e verdadeiro.
Para que se tenha uma idéia mais aclarada da extraordinária mulher que louvo agora, foi ela quem testemunhou, ao lado do marido Chagas Freitas, o crescimento deste jornal, e sua ascensão à folha mais vendida do Rio durante muitas temporadas. Foi ela quem, com discrição só comum às grandes figuras públicas, exerceu o cargo de Primeira Dama por dois mandatos do marido, governador eleito do Rio pelo voto direto. Como silenciosa conselheira do Dr. Chagas, teve o topete de reformar por inteiro a jóia que é o Palácio das Laranjeiras, então em estado de vil (e inacenitável) conservação.
Zoé, colega minha depois dos noventa anos no Conselho Empresarial da Cultura, era pontual e dedicada, além de encantadora, amparada sempre por sua bengalinha. Neste Fórum Cultural não era raro discursar em defesa da última e benéfica aventura dela, a reforma da antiga Sé e seu órgão primicial de 200 anos.
Já Jurandyr foi o mais completo arquivista do cinema brasileiro, a quem se deve, ao lado de Humberto Mauro, a recuperação e descoberta de inacreditáveis filmes e objetos, varridos para debaixo por conta do tapete do desrespeito crônico à memória.
Tive a honra de designá-lo para criar o Museu do Cinema (hoje desativado, oh país!). Ali, ele ergueu e revelou importantíssimos objetos desaparecidos que perfilavam a história do cinema brasileiro. Saudades de ambos! Mais que isso, desses grandes brasileiros. Eles foram fiadores de trabalho heróico e original. Que dignificou muitas gerações de ativistas da cultura.
14 de maio de 2015-05-14
Ricardo Cravo Albin
Presidente do Instituto
Cultural Cravo Albin