Vamos voltar ao que antecedeu o que hoje se entende por MPB:
Os gêneros mais populares da primeira metade do século XIX eram o lundu e a modinha (só no último quarto do século surgiria o maxixe, visto por muitos como o primeiro gênero musical autenticamente brasileiro).
O lundu (landum, lundum, londu) é dança e canto de origem africana introduzido no Brasil provavelmente por escravos de Angola. Da mesma forma que a modinha, há inúmeras controvérsias quanto à sua origem. Confundido inicialmente com o batuque africano (do qual proveio), tachado de indecente e lascivo nos documentos oficiais, que proibiam sua apresentação nas ruas e teatros, o lundu, em fins do século XVIII, não era ainda uma dança brasileira, mas uma dança africana do Brasil. Segundo Mozart de Araújo, é a partir de 1780 que o lundu começa a ser mencionado nos documentos históricos. Até então, era dada a denominação de batuque aos folguedos dos negros.
Como dança, a coreografia do lundu foi descrita como tendo certa influência espanhola pelo alteamento dos braços e estalar dos dedos, semelhante ao uso de castanholas, com a peculiaridade da umbigada, ponto culminante do encontro lascivo dos umbigos do homem e da mulher na dança.Traço característico e predominante em sua evolução seria o acompanhamento marcado por palmas, num canto de estrofe-refrão típico da cultura africana. Quando a umbigada passa a se disfarçar como simples mesura, o lundu ensaia sua entrada nos salões da sociedade colonial.
Como gênero de música cantada, a mais antiga menção ao lundu-canção é encontrada nos versos de Caldas Barbosa que, além da modinha brasileira, implantou na Côrte portuguesa a moda do lundu cantado a viola. No segundo volume da coletânea de seus versos (publicados postumamente), seis composições aparecem expressamente citadas como lundus. Ao comentar a supremacia do lundu sobre as danças em voga em Lisboa, diz Caldas Barbosa:
Eu vi correndo hoje o Tejo
Vinha soberbo e vaidoso;
Só por ter nas suas margens
O meigo Lundum gostoso
Que lindas voltas que fez;
Estendido pela praia
Queria beijar-lhe os pés
Se o Lundum bem conhecera
Quem o havia cá dançar;
De gosto mesmo morrera
Sem poder nunca chegar
Ai rum rum
Vence fandangos e gigas
A chulice do Lundum
Referências ao lundu são também encontradas nas Cartas Chilenas de Tomás Antônio Gonzaga, que começam a circular em Minas Gerais em 1787.
Aqui lascivo amante, sem rebuço,
À torpe concubina oferta o braço;
Ali mancebo ousado assiste e fala
À simples filha que seus pais recatam;
A ligeira mulata, em trajes de homem,
Dança o quente lundum e o vil batuque.
Num próximo passo, de canção solista o lundu transforma-se em música instrumental, ponteado à viola ou ao bandolim, ou executado ao cravo. Um dos mais antigos registros musicais desse tipo de dança encontra-se nas Canções populares brasileiras e melodias indígenas, recolhidas no Brasil por Martius entre 1817 e 1820. Uma das peças é o Landum, Brasilianische Volktanz, composição na qual um pequeno motivo, construído sobre as harmonias de tônica e dominante, é executado em forma de variações. O lundu-dança continuou a ser praticado por negros e mestiços, enquanto o lundu-canção passou a interessar aos compositores de escola e músicos de teatro, onde era feito para ser dançado e cantado com letras engraçadas e maliciosas. Já em fins do século XIX, esse aspecto foi intensamente explorado por Laurindo Rabelo, o poeta Lagartixa que, acompanhando-se ao violão, depois de determinada hora improvisava, com facilidade, lundus especiais ouvidos só por homens
Como canção, o mestiço lundu fez grande sucesso no início do século XX, cantado em circos de todo o Brasil e em casas de chope no Rio de Janeiro. Referências clássicas do gênero são as gravações iniciais de discos realizadas para a Casa Edison pelo palhaço Eduardo das Neves, como a dos lundus Isto é bom, de Xisto Bahia, considerada a primeira obra a ser gravada na história da música popular brasileira, e o Bolim bolacho, de autor desconhecido. Já a modinha, é considerada canto urbano branco de salão, de caráter lírico, sentimental. Em Portugal, a palavra moda designa canção em geral. É jeito luso-brasileiro de acarinhar tudo com diminutivos. A palavra modinha nasceu assim.
Ricardo Cravo Albin
Presidente do
Instituto Cravo Albin
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