Sempre cuidei de lustrar memórias e pessoas. Especialmente aquelas que forjaram a possibilidade de o brasileiro ser mais feliz, a partir da opulência de sua música e do seu canto. A sempre atenta Academia Brasileira de Letras – que vem desenvolvendo uma usina de fazimentos culturais – homenageia os 90 anos de Nelson Sargento, baluarte das mais agudas capilaridades do samba urbano carioca. Não à toa, a ABL abraça uma fonte primicial do canto do povo, a partir da Estação Primeira de Mangueira, titular de poetas do porte de Cartola e Nelson Cavaquinho, aliás, amigos de vida toda do nosso Sargento, também atual Presidente de honra da agremiação. Nelson, por sua vez, receberá no palco do Teatro da Academia outro baluarte, o Monarco, liderança e símbolo da Portela, escola da qual também escorreram tradições, que se localizam nos primórdios de ambas, ao comecinho dos anos 30. O roteiro do encontro entre eles está recheado de pérolas preciosas, pescadas ao longo de encontros artísticos que se estenderam por um mês. Costumo dizer que Sargento já deveria ostentar o título de General do Samba, tantas guerras conquistou ao longo dos noventa anos guerras ganhas, a meu ver, mais pela superação da aspereza da vida e da subsistência sofrida do que pela apoteose do Samba que sua vida emoldurou, ao longo de mais de setenta anos de fazer e de provocar arte e música. Monarco, por sua vez, é liderança da qualidade e da sabedoria das Velhas Guardas, aclamado por aqui e até no Japão, onde é apreciadíssimo, tal qual Sargento. Esta apresentação na ABL resume, estou certo, uma delicada pontuação de reverência da Casa de Machado de Assis às fontes, às origens, às ancestralidades de um povo miscigênico como o nosso. E também ao encantamento e consagração devidos aos hoje pouquíssimos remanescentes de uma saga heróica das bases populares.
Ricardo Cravo Albin
Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin