Não de hoje luto com afinco a favor da memória dos artistas, especialmente aqueles da nossa fertilíssima MPB.
O esquecimento, o abandono, a falta de cuidados e até de respeito são quase constantes em nosso meio, o que provoca em mim desconforto e indignação. Há uma instituição que vem por décadas a fio recolhendo velhos artistas, o Retiro dos Artistas. O Retiro é uma organização particular e que vive de doações, públicas e privadas. Vejam bem, particular (e não governamental) sem verbas fáceis ou eternas, que só o cômodo aconchego do funcionalismo governamental permite, embora assegurando quase sempre péssimo funcionamento. Ora, o Retiro dos Artistas fica em ampla área de Jacarepaguá e se mantém heroicamente. Hoje é presidido pelo também ator Stepan Nercessian, cujo trabalho é elogiado. Para lá, eu que a freqüento há décadas em visitas a uns sem-número de artistas esquecidos, tive a oportunidade de levar as minhas amigas Carmélia Alves e Carminha Mascarenhas, duas das cantoras da Era do Rádio e infelizmente mortas no ano passado. Elas faziam parte do núcleo das estrelas da casa, a que se somavam Rosana Toledo e Helena de Lima. Há dias, a primeira
morreu silenciosamente e não mereceu sequer um simples registro de obituário. Rosana, cuja alegria de viver no Retiro eu testemunhava há anos foi uma cantora que gravitou entre o Samba-Canção e a Bossa Nova. Era uma voz profunda, grave, original, voz projetada por um belo corpo de mulher, em que se ressaltavam
formas perfeitas e lábios sensuais. Pois Rosana Toledo, a quem convidei para gravar em 1975 alguns clássicos na série MPB-100, ao vivo, tinha algo de Maysa, ambas influenciadas pela americana Julie London, sucesso dos anos 50.
Cabe aqui – e o faço quase que cumprindo indeclinável dever – um apelo aos poderes públicos para fornecerem recursos ao Retiro, que vive em dificuldades. E aproveito para bramir minha indignação pelo esquecimento imposto aos velhos ícones do passado.
Ricardo Cravo Albin
Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin