O filme sérvio “Terror sem Limites”, que seria exibido em festival da Caixa Econômica e estaria por estrear nas próximas semanas, não recebeu do Ministério da Justiça o certificado de classificação indicativa. Isso significa, em termos concretos, a proibição do filme. Eu, que lutei exatos dez anos (1979-1989) contra a censura em Brasília, em representação da ABERT para defender os autores de rádio, televisão e cinema (além, é claro, de música), posso jurar que o fato de o Estado dizer o que pode ou não ser visto por cidadões maiores é inaceitável. Não a toa, nosso grupo contra censura nos anos 80 (o jornalista Pompeu de Sousa e eu, entre outros) lutou por meses a fio dentro do Congresso Nacional para que a Constituição de 88 decretasse a proibição da censura e a conseqüente livre expressão do pensamento. A proibição do filme sérvio simplesmente agride a Lei Maior, e abre um (des) caminho perigoso. ‘Terror sem Limites’ pode ser mesmo um filme perigoso. Ele, ao que consta, exibe cenas abjetas e repugnantes. Merecia ate o lixo e o boicote da população, porque quebraria padrão morais. Tudo isso pode ser verdade e deve mesmo qualificar o filme como um autêntico terror sem limites, na sua auto definição.
Terror sem limites muito maior, contudo, parece-me a quebra da normalidade democrática e da Constituição num país que lutou tanto para sair das trevas do arbítrio. Ou seja, a censura será sempre o mal mais definitivo e perigoso. Foram décadas a fio de embates e sofrimentos para combatermos a sinistra DCDP (Departamento de Censura de Diversões Públicas), que assestava seu cutelo vil sobre a cabeça dos criadores. Em meu livro “Driblando a Censura” (Ed. Griphus, 2000), eu enumero as centenas de proibições à letras de música, à peças de teatro e novelas de televisão, além, é claro, a filmes. Argumentos como “imoral”, “pornográfico”, “aberrante” e “contrário aos bons costumes” eram os “chavões” preferidos dos agentes policiais que, sem dó nem piedade, proibiam, proibiam, proibiam. Recentemente, em conferência na USP, declarei meu temor que a censura voltasse. E que o Estado (no caso atual, a própria Justiça) passasse a intervir no que o cidadão maior “deveria” ou “poderia” ver e usufruir. Infelizmente, minha previsão mal-humorada – mas vejo agora que orácular – chegou antes do que imaginava.
Ricardo Cravo Albin
Escritor e Jornalista