Há poucos dias participei de um encontro muito raro, um puro exercício de carioquice na sua quintessência de convergências. Isso ocorreu quando a Academia Carioca de Letras recebeu o cantor-compositor Martinho da Vila para falar de Noel Rosa, da Vila Isabel, dos anos trinta formadores da própria estrutura da MPB.
Quanto a Academia, vale registra aqui, ela é uma sólida instituição literária dedicada às letras cariocas e aos personagens da cidade do Rio. Hoje presidida por gente do porte de Stella Leonardos e Nelson Mello e Souza, a Carioca de Letras vem sendo propulsionada por belo plano de expansão coordenado por Paulo Pereira.Quanto a Martinho , a par de ser o vulto exponencial de nossa cultura popular, também é escritor de novelas, romances, ensaios.
Saudado pelos acadêmicos como uma “rara flor do Rio”, Martinho encantou a todos pela simplicidade e despojamento. Sua conversa evoluia, doce e fraterna, naquele jeito tão seu, quando Martinho surpreendeu a todos nós dizendo-se saudoso do Rio das décadas de trinta e quarenta. Sua vontade era de ter nascido pelo menos vinte anos antes e ter participado de uma outra cidade mais amável, o Rio dos bondes, da Lapa antiga, da Vila Isabel dos arvoredos. E, especialmente, muito especialmente, de conviver – este o supremo desejo – com Orestes Barbosa, Francisco Alves , Carmem Miranda, além de André Filho e, é claro, Noel.
Este quase clamor de resgate, de volta a um passado histórico e heróico, amável e sem paralelos na essência do Rio como urbe, não só me chamou a atenção, mas comoveu a todos os intelectuais presentes.
Aposto que não houve um sequer de nós, ouvindo o doce desfiar das histórias nostálgicas de Martinho, que não quisesse entrar numa máquina do tempo e desembarcar ali mesmo, na Lapa de Noel e de Ismael Silva. Só que 80 anos antes…
Ricardo Cravo Albin