Não bastassem tanto desperdício e tanta inutilidade em relação à vida organizacional do país, um dos eventos mais constrangedores que o Rio vem sofrendo nesses últimos cinquenta anos é a destruição das casas de espetáculos.
Na verdade, teatros e casas de shows, além dos cinemas, é claro, foram destruídos no Rio, sem dó, nem piedade, desde o mítico Teatro Lírico. Agora, assenta-se o cutelo vil sobre a cabeça do Canecão, uma casa de espetáculos que construiu a história do show da MPB nesses últimos 43 anos. Não importa que tenha dívidas, não interessa que o proprietário do terreno queira o terreno. Causa-me pura aflição ver-se um ponto de referência do afeto carioca acabar por questiúnculas e firulas, por falta de negociação e por perdularismo.
Semana passada, assisti a um momento de encantamento que me surpreendeu: o jovem Márcio Gomes (cantando tangos e fados) encheu o Canecão na primeira vez que lá pisou. Quase sem mídia e sem maiores investimentos, vi um novo astro nascer no Rio, apenas pela mágica de sua voz. Tal como Elymar Santos, que no mesmo palco (há décadas) consagrou-se na noite em que o alugou e o lotou.
Neste final de semana, minha diva predileta, a grande Bibi Ferreira, roçando gloriosos noventa anos, certamente, mais uma vez provocará o frisson habitual em todos nós, cantando de Pixinguinha a Noel Rosa.
Gloriosos jovens revelados pelo Canecão. Gloriosos velhos eternos que nos emocionam a cada música interpretada.
Bibi – que é pura história – deverá fechar as portas de uma casa que também é pura história. E referência. Menos mal. Maior mal é a perda de um palco carioca de importância e dimensão nacional para os artistas do Brasil. Puro desperdício. Pura inutilidade. Oh, paisinho esse nosso…
Ricardo Cravo Albin
Jornalista e escritor http://www.institutocravoalbin.com.br/