Grandes figuras merecem grandes celebrações. Há dias, a posse de Cleonice Berardinelli na Academia Brasileira de Letras quase que desdizia isso. E por motivos absolutamente fortuitos e inesperados. Explico: a nova acadêmica – eleita depois dos noventa anos e depois de consagrada como uma das mais reluzentes mestras da literatura do país – fez seu discurso de posse no Petit Trianon na noite que iniciou as grandes águas no Rio deste começo de abril. Ao invés da multidão que era aguardada, o temporal afastou boa parte dos convidados, intimidados pela virulência da chuva torrencial. O resultado foi uma solenidade mais discreta, talvez até mais elegante.
Discrição e elegância, de certo, que emolduraram sempre a personalidade de Cleonice, seu modo de ser e de proceder. Aliás, Mestra dos mestres, como seus agora colegas Antonio Carlos Secchin e Domício Proença, ou como o jornalista Zuenir Ventura.
Conheço Cleonice do seu núcleo familiar mais restrito, amigo que fui do falecido irmão Adilson Seroa da Motta, com quem comecei a trabalhar na SURSAN ainda no primeiro ano de Direito da FND, no remoto ano de 1959.
Desde então, aprendi a ver na figura delicada e pequenina da professora de Literatura um ser excepcional. E por tudo: a começar pela dedicação aos seus afazeres no magistério da Faculdade de Letras. E a terminar pela paixão sem limites ao poeta da minha também devoção, Fernando Pessoa. Cleonice, na verdade, sempre foi mais que uma curadora incansável do bardo. Terá sido – costumo dizer – a pessoa que mais a fundo investigou e se aproximou dos mistérios, sortilégios e feitiços da obra e da vida do nosso português universal. O que a fez – com razão – uma especialista reconhecida e aclamada no mundo todo.
Ricardo Cravo Albin
Jornalista e escritor
www.institutocravoalbin.com.br