“Vi há pouco a imagem do Cristo Redentor apagado, preto e imponente. Estou, sim, disposto a sofrer muito mais, para combater o racismo e o insulto contra minha raça” – Vini Junior, nesta 2ª feira, em Madrid.
Não, querido Vini Jr, você não pode nem deve sofrer mais nada, chega de infâmias a um rapaz de 22 anos, pelo simples fato de ser preto.
Vini representa não apenas ele próprio como violentado na sua autoestima. De fato, ele representa milhões de homens de sua idade, milhões de crianças pobres que ingressam na vida adulta com a esperança de ascensão social pelo futebol, um lugar melhor na sociedade brasileira. E isso já considerando os rançosos preconceitos ainda hoje detectados pela sociedade onde eles, os pretos, nasceram.
Vini venceu no Brasil, contratado por um dos clubes mais famosos do mundo. Por sua boa fama e seu ótimo futebol, mereceria sempre reverência, aplausos e agradecimento. De fato, fico a pensar que esse tipo de agressão racista é fruto de pura inveja dos agressores. Ódio por que? Porque Vini é preto. Difere da maioria de lá porque ele começou a exibir passinhos malemolentes da dança exuberante de um país do fim do mundo. Por que a explosão da alegria de seus movimentos de corpo ao exibir-se no campo depois de um êxtase, que é o ato de fazer um gol, foi considerado pelos já racistas como um desrespeito à plateia espanhola?
Quero de imediato registrar aqui que a Espanha sempre me fascinou por toda sua imbatível carga de energia, na sua música, na dança, na literatura. Visito-a sempre que posso. Meus amigos espanhóis, e são muitos, estão envergonhadíssimos com os acontecimentos lamentáveis de ontem no estádio de Valencia. Confesso que minha estupefação com o péssimo humor de alguns torcedores da Espanha contra Vini começou exatamente a partir dos requebros, da dancinha. Ocasião em que escrevi neste mesmo espaço, o que reitero hoje: os ofendidos, querido Vini, somos todos nós brasileiros, cultores, sim, dos passinhos da dança mulata, indignados quando chamados, aos berros na plateia, de macacos, de jogador FDP, de pretos imundos.
Quero crer que o que ocorreu ontem foi a gota d’água para o sofrimento do Vini. Razão de repulsa enérgica dele e seu povo mais uma vez insultados. Os jornais de Madrid desta 2ª feira, ao que passei rápida vista d’olhos, tentaram pôr panos quentes. Por vezes até pedindo ao ofendido mais paciência e tolerância. Como ter moderação e não revolta ao ser chamado de macaco, xingado de filho da puta e rotulado de preto imundo? Pela quase décima vez? Não mesmo. O governo brasileiro, a partir do Presidente nas lonjuras de Hiroshima, manifestou-se por pelo menos cinco ministros(as) de estado, E, como tinha que fazer, pedindo providências e não as inúteis “belas palavras de desculpas esfarrapadas”.
Como Vini Jr poderá entrar em campo espanhol mais uma vez sem a certeza de que sua integridade moral seja assegurada?
Isso fere. Dói, machuca. E não pode ocorrer. Não pode! Como controlar? Com segurança pública de policiais a cada três metros dos lugares mais próximos ao campo. Será caríssimo, por certo. Mas o governo de Sanchez vai ter que proceder com medidas extremas.
Meu querido Vini não fez por menos em suas justíssimas ira e amargura: “o prêmio que os racistas ganharam foi a minha expulsão”, ele declarou em suas redes sociais nesta segunda-feira “después de la tragedia repetida” no campeonato espanhol.
E aduziu o pior: “o racismo é normal na La Liga. Penso em deixar o país. Mas eu sou forte e vou até o fim contra os racistas. Mesmo que longe daqui”.
P.S único – Deste cantinho de página o meu mais vivo aplauso ao Cristo Redentor tornado preto porque apagado. Em solidariedade ao querido brasileiro ofendido. Ideia, com certeza, do Padre Omar Raposo, Reitor do Santuário do Cristo do Corcovado.
Ricardo Cravo Albin