O título acima envolve dois fatos que se somam em evento duplamente trágico não só para mim como para o Brasil.
Em pouco mais de nefastas 24 horas, a sexta-feira 13 de Março quase que roça o domingo 15 para sinalizar perdas, duras e amargas perdas. O Brasil encerrou a semana muito mais pobre com a morte no domingo do escritor, diplomata e político Affonso Arinos de Mello Franco. O que, somado às surpresas da sexta-feira 13, potencializou, ao menos para mim, perdas e contextos inesperados jamais vistos neste país. Foram anunciadas dois dias antes da perda de Affonso medidas extremas para conter a pandemia, na mais alarmante e aziaga sexta-feira 13 de que tenho memória.
A crise da epidemia começou em remota província da China alastrando-se pelos cinco continentes em apenas dois meses e meio. Mas até parecia que nunca chegaria ao Brasil, tal o silêncio das autoridades sobre prevenções, proibições de multidões em todos os níveis, aumento emergencial de leitos para os possíveis infectados, recursos financeiros para a sustentabilidade de serviços médicos e dos próprios médicos.
Em resumo, enquanto a cada semana o mundo se espantava com os infectados, em crescendo geométrico nos países mais diversos, em especial o avanço brutal de vítimas na Itália, nós parecíamos viver aqui em pleno Sítio do Pica Pau Amarelo, com Dona Benta e Tia Anastácia, nossos supostos governantes, provendo conselhos vagos e leves à população de Pedrinhos, Narizinhos e Emílias, nós todos, simbolicamente as possíveis vítimas futuras.
Até que os dirigentes (movidos talvez, quem sabe?, pelo pó de pirlimpimpim) pareceram despertar, como num passe de mágica, na fatídica sexta-feira 13. De repente conscientizaram-se da decretação pela OMS de pandemia devastadora, a que se somou (para nós) a volta de Bolsonaro do jantar com Trump em Miami, quando o vírus se teria espalhado no avião presidencial – para inquietação do país.
A sexta-feira explodiu em um festival de medidas drásticas, tal como uma noite de Bartolomeu sem data para acabar, porque aprisionando a população até de trafegar na rua, sair de casa, ou ir à praia. Acodiu-me de imediato correr ao livro A Peste, de Camus, e lá estava tudo descrito. A cidade argelina de Oran, vítima da peste bubônica, era aquele Rio na fatídica sexta-feira. Também me veio à cabeça a Peste Negra do século XIV, que começou na Eurásia e tomou toda a Europa, dizimando quase 200 milhões de pessoas. Nessa atmosfera de quase terror, pairou também em minha mente a tragédia do século XX, a Gripe Espanhola, que ceifou milhões de vidas em todo país. Ou seja, pareceu-me que o fim do mundo se avizinhava por aqui. Como se uma 3ª Guerra Mundial Bacteriológica, só admitida em livros de ficção científica, batesse às portas da humanidade na terceira década do século XXI.
O Brasil amanheceu um outro país no dia seguinte, sábado. Saía do pesadelo da inconsciência para despertar em outro pesadelo, consciente e pesadíssimo.
Nesse quadro de consternação geral e surpresas jamais imaginadas pelas precauções contra a contaminação, morre Affonso Arinos, um doce cidadão e amável amigo, cuja penetração na literatura e na diplomacia o alçaria à ABL, tal como seu ilustre pai, o senador e professor (fui seu aluno e auxiliar na Faculdade Nacional de Direito da UB). Affonsinho, como os amigos lhe atribuíamos o diminutivo afetuoso, foi também convidado por mim a ser um dos fundadores do nosso Instituto na Urca, em 2001. Por tudo. Até por quê ele sempre exercitou uma capacidade singularíssima de delicadezas e refinada educação pessoal. Não era, aliás, para menos, altaneiro representante (do que ele se orgulhava) dos Mello Franco, um clã de gente de fina extirpe a ser reverenciada nesta selva generalizada de grosserias e maus comportamentos. Que nosso país e muitos de nossos dirigentes se aprazem em exibir. E praticarem os malfeitos em crescendo de exemplos ainda maiores que o aumento horrorizante do coronavírus, que já nos cerca ameaçadoramente.
Ricardo Cravo Albin