“O Correio da Manhã foi o raro jornal brasileiro que teve a coragem de se imolar, e a de seus donos, para lutar pelo direito de publicar o que achava verdadeiro.” – Antonio Callado, ao ser preso pela Ditadura.
Na última sexta-feira, o diretor de redação e proprietário do Correio da Manhã, o jornalista Claudio Magnavita, celebrou os 122 anos do jornal fundado por Edmundo Bittencourt.
Magnavita recebeu grande grupo de amigos e colaboradores do C.M para coquetel no Fairmont Copacabana. Ao apagar as velas do bolo festivo para o celebre matutino (revitalizado pelo anfitrião nesses últimos anos), Magnavita instrumentalizou sua fala em torno do heroísmo de Niomar Moniz Sodré Bittencourt, esta “grande baiana de Salvador” que se imolou e ao jornal de seu falecido marido Paulo Bittencourt pela bravura de dizer não à censura no auge do regime militar de 1964. Niomar adentrou à história do país como guerreira (e vítima) pela liberdade de imprensa no Brasil. A ponto de merecer naqueles tempos escuros singular observação de um general, quando ele questionava um punhado de adversários do regime militar, “aqui vislumbro entre todos vocês um único homem cuja coragem singular me assombrou. Exatamente uma mulher”. E apontou o dedo indicador “Dona Niomar, do Correio”. A pequena mulher se encolheu mais ainda no canto onde se isolava.
Magnavita também confirmou para muito em breve o lançamento pela editora do jornal da aguardada biografia “Dona Niomar”, escrita pelo jornalista Ricardo Cota, considerada por críticos que já a leram tanto precisa quanto isenta. Além de elegante na forma e no estilo.
A notícia da próxima edição da biografia envolveu os convidados em atmosfera emotiva. Neste ponto, o anfitrião aproveitou para relatar, em minucioso balanço, a expansão do jornal pelo país com edições impressas em vários estados. Bem como aceitação do veículo através das redes sociais, que lhe abriram portas internacionais em muitos países.
Entre os convidados logo vislumbrei o neto querido de Niomar, Mauro Sodré, o Maurinho, a quem conheci quase menino e a quem sempre estimei. Não o via desde o já longínquo velório da matriarca. Estimulados pelo encontro, Mauro, o biógrafo Ricardo Cota e eu nos recolhemos a canto mais discreto do salão para conversa espichada. E prazerosa, tanto quanto saudosa. Evocamos mais uma vez a admiração que nos ligava por décadas à figura legendária da Leoa do Correio. Pudemos evocar os dados da longa entrevista que Cota fez comigo para o “Dona Niomar”. Entre os quais o telefonema em que eu lhe indagava quem era o novo estagiário que assinava como Ruy Castro, de quem acabara de ler primorosa matéria daquele dia sobre evento realizado poucas horas antes no Museu da Imagem e do Som – “Debates e Exposições sobre Noel Rosa pelos 20 anos de morte”, em 1967. Seria talvez o começo dos fartíssimos elogios ao hoje imortal escritor e biógrafo.
Evoquei aos interlocutores a seguir de como Niomar gostava de passar final de semana em minha casa em Maricá, isso logo depois da luta que ela sempre fazia questão de evocar com grande excitação: o como o jornal lhe seria subtraído das mãos, bem como sua liberdade individual, além dos muitos bens.
Niomar, que adorava o mar, ficava horas a fio na vasta praia quase deserta de areias branquíssimas. Sem falar com ninguém. Mas respondeu certa vez eloquentemente, ao lhe perguntar se se sentia bem, observando-lhe quase inquietante imobilidade, – “Me sinto muito bem, melhor ouvir esse embate das ondas e sentir no rosto o vento amigável, do que ser obrigada a ouvir bobagens desses tagarelas de hoje em dia. Que me tumultuam os ouvidos. É muitíssimo melhor o vento bater no meu rosto que os cassetetes vis que ameaçaram me agredir. E torturam até hoje meus amigos”.
Logo relembramos – o que está detalhado por cota na biografia – da noite em que jantávamos no Antonio’s lotado, quando irrompeu no salão do Leblon um quase grito não identificado “Morreu JK”. Todos ficamos atordoados. Menos Niomar, que me disse baixinho “meu Deus, alguém o matou”. E, ao tentar se levantar apressada da mesa, afastando o prato de filé que partia com o vagar habitual, me ordenou que a levasse ao seu apartamento da Ruy Barbosa. Enquanto eu dirigia, ela desfiava ao meu lado suas urgências, centradas em articular medidas para que o corpo de Jucelino fosse velado no MAM, sob sua direta supervisão. Antessupondo a comoção geral do país que ocorreria.
Ela havia notado, com seu finíssimo radar de observação, que enquanto nós saíamos do Antonio’s, outra mesa também se levantava e abandonava às pressas o restaurante, em meio aquele burburinho de vozes e perplexidade. Era de auxiliares de Adolfo Bloch, que convocara toda a equipe para tratar do velório de JK… mas na sede da Manchete. Batalha, como se sabe, perdida por Niomar, que ela sempre recordava muito melancólica.
Ricardo Cravo Albin
P.S – Pude observar que Claudio Magnavita foi cumprimentado por muitos convidados pela renovação da programação da emissora oficial do Estado, a Rádio Roquette Pinto, cujo novo presidente Fernando Nogueira, estava presente.
Explico de imediato: o dono do Correio da Manhã preside o restrito Conselho de Administração da Rádio. E designou o novo presidente Nogueira para repor nos trilhos o lema histórico cunhado por quem dá nome a emissora, o próprio Roquette Pinto – “Pela cultura de nossa terra, pelo progresso do Brasil”.
Uma emissora pública e oficial não cabe disputar audiência através de programação popularesca. Muito menos concorrer com emissoras de grandes grupos que investiram muito dinheiro naquilo que uma audiência majoritária de fato privilegia por vários anos anteriores, valores um tanto distantes da “cultura de nossa terra”. As classes C, D e E, detentoras da possível maior audiência. A Roquette sempre teve seus ouvintes fiéis, mais conservadores e atentos à cultura.
Na foto: Da esquerda para a direita. Ricardo Cota, RCA, Mauro Sodré e Claudio Magnavita.