Tenho não só a honra, mas o grato prazer pessoal de registrar o centenário daqui a dois dias de Darcy Ribeiro, um dos mais interessantes brasileiros a pesquisar, escrever e insistir sobre profundidades e originalidades do Brasil. Darcy Mestre foi escritor, sociólogo e homem antenado para qualquer análise criativa do Brasil.
Com Darcy trabalhei na Secretaria de Cultura – tempo em que era também vice-governador de Leonel Brizola – quando fui nomeado por ele para dois cargos importantes. O primeiro a Superintendência Geral de todos os museus do estado do Rio, quando reformamos os abandonados Museu do Ingá e Antônio Parreiras em Niterói. O segundo a Superintendência de Grandes Eventos Públicos, quando ele aprovou com raro entusiasmo (tão de seu feitio) a ideia de fazer o Museu do Carnaval do Rio nas ruas da cidade, o primeiro dos quais fizemos na Estação do Largo da Carioca que teria sido visto por mais de 1 milhão de pessoas (no qual fui assessorado por João Trinta e Maria Augusta Rodrigues).
Darcy Ribeiro, mineiro de Montes Claros, nasceu no dia 26 de outubro de 1922. Formou-se em Ciências Sociais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1946, e teve carreira de projeção internacional, principalmente nas áreas de antropologia, etnologia e educação. Um estudioso e defensor do modo de vida dos povos indígenas. Em 1954 organizou no Rio de Janeiro o Museu do Índio, o qual dirigiu até 1957.
Ainda em 1954, elaborou o plano de criação do Parque Indígena do Xingu, situado no então Mato Grosso que, em 1977, seria desmembrado, surgindo o Mato Grosso do Sul. Uma figura presente e marcante nos momentos centrais da história do país.
Deliciem-se com as ideias originais e provocativas em textos escritos entre 1995 e 1997, quando Darcy mantinha uma coluna semanal na Folha de S.Paulo.
Alguns dos trechos, ou lições do Mestre:
– Não há maior besteira que a de um brasileiro embasbacar-se com a doutrina norte-americana da globalização. (…) Falta-nos, essencialmente, vontade política para formular e pôr em execução um projeto próprio de desenvolvimento autônomo.
– O Brasil, último país a acabar com a escravidão, tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso.
– Mais vale errar se arrebentando do que poupar-se para nada.
– Viva aceso, olhando e conhecendo o mundo que o rodeia, aprendendo como um índio (…) seja um índio na sabedoria.
– Floresce no Brasil uma pedagogia tarada e vadia, segundo a qual o fracasso da criança pobre na escola é culpa dela própria.
– Ninguém se comove, de fato, com uma criança faminta ou com um jovem condenado ao analfabetismo. Contanto que os filhos da gente de bem comam fartamente e estudem em boas escolas, o resto não importa.
– A miragem da globalização, pregada unanimemente pela mídia num consenso comprado, é um engodo. (…) Restaurada em todo o seu poderio, seria para o Brasil uma recolonização.
– É nossa tradição: em nome do progresso futuro, vendemos o passado, ou o que nos restou dele.
– Gosto muito do Brasil. Muito demais. Sou patriota à moda antiga, verde-amarelo, vibrante. (…) fico danado quando vejo alguém nascido aqui ter descaso pela patrinha.
– Presente, passado e futuro? Tolice. Não existem. A vida é uma ponte interminável. Vai-se construindo e destruindo. O que vai ficando para trás com o passado é a morte. O que está vivo vai adiante.
Ricardo Cravo Albin
24 de outubro de 2022 (antevéspera do centenário de Darcy Ribeiro)